Empresas familiares frequentemente concentram sua gestão e poder decisório em uma única figura, o fundador ou patriarca, cuja ausência, ainda que temporária, pode gerar graves consequências administrativas e patrimoniais. A incapacidade ou invalidez do dirigente, quando não há um planejamento jurídico prévio, tende a paralisar operações, abrir espaço para disputas entre herdeiros e expor o patrimônio empresarial a riscos desnecessários.

Do ponto de vista jurídico, a Constituição Federal e o Código Civil asseguram a proteção à autonomia privada e ao planejamento sucessório (arts. 1.784 e seguintes), permitindo a utilização de instrumentos preventivos como o testamento, a curatela e as procurações com poderes de representação. Cada um deles, porém, possui natureza e efeitos distintos, o que exige tratamento técnico integrado.

Testamento

Ato personalíssimo, unilateral e revogável, regulado pelos arts. 1.857 a 1.990 do Código Civil. Sua eficácia ocorre apenas post mortem, razão pela qual serve para dispor sobre a destinação de quotas ou ações, estabelecer cláusulas de incomunicabilidade ou inalienabilidade e indicar diretrizes para a administração futura do patrimônio. Contudo, o testamento não produz efeitos durante a vida do titular e, portanto, não autoriza ninguém a exercer poderes de gestão enquanto ele estiver vivo, ainda que incapacitado.

Curatela

Solução jurídica adequada às situações em que a incapacidade é superveniente, É prevista nos arts. 1.767 a 1.783 do Código Civil e regulamentada pela Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). A curatela é uma medida judicial de caráter protetivo e proporcional, aplicável apenas aos atos de natureza patrimonial e negocial, e deve ser decretada mediante decisão fundamentada. É possível, entretanto, que o próprio dirigente indique previamente, por meio de escritura pública ou testamento, quem deseja ver nomeado como curador, facilitando a decisão judicial e prevenindo disputas familiares.

Procuração pública com poderes específicos de representação

Instrumento relevante, válido enquanto subsiste a capacidade do outorgante. Permite que um representante pratique atos empresariais em nome do dirigente, mas, conforme o art. 682, II, do Código Civil, extingue-se automaticamente com a interdição ou morte do mandante, motivo pelo qual não substitui a curatela nem garante continuidade plena da administração.

Um plano de proteção eficaz para a empresa familiar deve, portanto, combinar diferentes mecanismos:

– Testamento atualizado e compatível com o contrato social.

– Definição, em acordo de sócios ou estatuto, de regras para substituição do administrador.

– Outorga de procurações limitadas e temporárias.

– Previsão de curatela com curador indicado previamente.

Além disso, recomenda-se a criação de protocolos familiares e societários que orientem a sucessão e a governança, reduzindo a discricionariedade judicial em momentos de crise.

10/10/2025

A sucessão de empresas familiares costuma ser um dos momentos mais delicados para a preservação do patrimônio e da própria empresa. Sem planejamento, a partilha de quotas e a definição sobre quem terá voz na administração da sociedade podem se tornar pontos de atrito entre herdeiros. Quando não há consenso, a disputa se transfere para o Judiciário e o espólio empresarial fica sujeito a enfrentar processos demorados, que paralisam decisões e podem comprometer a própria atividade da empresa.

Um exemplo recorrente é a divergência sobre a distribuição de lucros. Herdeiros que não participam da gestão muitas vezes exigem retiradas incompatíveis com a realidade financeira do negócio, enquanto aqueles que assumem a administração defendem a reinversão dos ganhos. Situações como essa, quando não previamente reguladas, podem gerar impasses, difíceis de serem resolvidos fora do âmbito judicial.

A legislação brasileira oferece instrumentos eficazes para prevenir tais conflitos. O testamento, por exemplo, permite que o titular do patrimônio defina a destinação de até 50% de seus bens, respeitada a legítima dos herdeiros necessários. Já a constituição de uma holding familiar possibilita centralizar a gestão, estabelecer regras de sucessão e disciplinar direitos políticos e econômicos dos sucessores. Os acordos de sócios também desempenham papel fundamental, pois podem prever mecanismos de saída, critérios para voto e soluções específicas para impasses.

Outro recurso é a doação em vida com cláusulas restritivas, como incomunicabilidade ou inalienabilidade, que preservam o patrimônio e evitam que quotas sociais sejam desviadas da família. Cada uma dessas ferramentas deve ser aplicada conforme o perfil do negócio e as características da família, sempre com apoio jurídico especializado.

Além dos aspectos técnicos, a mediação preventiva é cada vez mais utilizada. Trata-se de um espaço de diálogo estruturado, em que herdeiros podem expor expectativas e alinhar interesses antes que o falecimento do titular leve o caso para o inventário. Essa prática reduz tensões e favorece soluções personalizadas, respeitando tanto a lógica empresarial quanto os vínculos familiares.

A antecipação de definições sucessórias não elimina divergências, mas contribui para reduzir drasticamente o potencial de conflito judicial. Com instrumentos bem estruturados e canais de diálogo adequados, a empresa mantém sua governança, o patrimônio permanece protegido e os herdeiros enfrentam a transição de forma menos traumática.

18/09/2025

​A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, quando há fixação de indenização pelo uso exclusivo de imóvel por um dos herdeiros, não é possível descontar adicionalmente do quinhão do ocupante, sem acordo prévio, os valores do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Segundo o colegiado, essa prática configuraria dupla compensação pelo mesmo fato e enriquecimento sem causa.

Na origem do caso, ao homologar a partilha de bens entre as duas filhas de uma mulher falecida, o juízo responsável pelo inventário determinou que a dívida de IPTU sobre um imóvel fosse paga exclusivamente pela herdeira que o ocupava, afastando a responsabilidade do espólio. O tribunal estadual manteve a sentença, sob o entendimento de que o herdeiro que usufrui do bem deve arcar com o imposto relativo ao período de ocupação, independentemente da indenização fixada pelo uso exclusivo.

A herdeira ocupante do imóvel recorreu ao STJ, argumentando que, até a partilha, o bem integrava o espólio, cabendo a este arcar com os respectivos encargos. Sustentou ainda que, por se tratar de obrigação propter rem, os débitos de IPTU deveriam ser divididos igualmente entre as herdeiras, pois a posse e a propriedade dos coerdeiros sobre os bens inventariados seguem as regras do condomínio.

Herdeiro que ocupa o imóvel pode ter que ressarcir os demais

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso especial, destacou que o STJ já reconheceu em recurso repetitivo que o IPTU é obrigação propter rem, ou seja, o tributo decorre da titularidade do direito real sobre o imóvel. Segundo o magistrado, por estar diretamente vinculada à propriedade, a obrigação gera um regime de solidariedade entre os herdeiros, que compartilham a responsabilidade pelas despesas. Assim, ele apontou que, até a conclusão da partilha, o IPTU deve ser suportado pelo espólio.

Por outro lado, o relator observou que o herdeiro que utiliza o imóvel de forma exclusiva pode ser compelido judicialmente a indenizar os demais sucessores, para se evitar o enriquecimento sem causa. “O herdeiro que ocupa o imóvel deve estar ciente de que pode ter que ressarcir os demais herdeiros pelo benefício do uso exclusivo que está recebendo. Esta compensação preserva os direitos de todos e assegura que o patrimônio da herança seja administrado de maneira equitativa”, disse.

Antonio Carlos Ferreira mencionou julgamento no qual a Terceira Turma decidiu que, se um herdeiro mora sozinho no imóvel, sem pagar aluguel ou indenização aos demais, é razoável que as despesas de condomínio e IPTU sejam descontadas de sua parte na herança (REsp 1.704.528).

Uso exclusivo do bem já foi compensado com a fixação de indenização

Contudo, segundo o relator, no caso analisado, o acórdão de segunda instância já havia estabelecido uma indenização pelo uso exclusivo do imóvel, correspondente ao aluguel da quota da outra herdeira, a ser compensada na partilha. “Os valores correspondentes à indenização não foram impugnados pela parte interessada, restando, por conseguinte, preclusa a matéria”, comentou.

Além disso, o ministro verificou que não houve nenhum acordo prévio entre as partes sobre o ressarcimento do IPTU ao espólio pelo herdeiro ocupante, conforme prevê o artigo 22, VIII, da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991), nem quanto a outras obrigações relacionadas à ocupação do imóvel.

Dessa forma, Antonio Carlos Ferreira enfatizou que, como a compensação pelo uso exclusivo já foi realizada por meio da indenização fixada, não se justifica novo desconto sobre o quinhão da herdeira ocupante a título de IPTU. “Tal desconto configuraria dupla indenização pelo mesmo fato (uso exclusivo do imóvel) e resultaria em enriquecimento sem causa da outra herdeira, que receberia duas compensações pelo mesmo evento”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte – Superior Tribunal de Justiça

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, manter a guarda de uma criança com a família substituta, negando o pedido da tia biológica. O colegiado considerou que a infante, acolhida logo após o nascimento, não tinha vínculos afetivos com a tia e já havia mais de um ano que estava sob os cuidados dos pretensos adotantes.

A ministra Nancy Andrighi, relatora, enfatizou que, embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) priorize a família extensa, essa diretriz não pode ser aplicada automaticamente quando o melhor interesse da criança recomenda a sua permanência na família substituta.

Aos dois meses de vida, devido ao risco representado pela convivência com a mãe biológica, usuária de drogas, a criança foi encaminhada a um abrigo. Três meses depois, o Ministério Público ajuizou ação para destituição do poder familiar, levando a Justiça a suspender os direitos da mãe e encaminhar a infante para adoção. A criança foi acolhida por uma família substituta, mas a tia materna requereu a guarda – o que foi concedido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Contra essa decisão, o guardião provisório entrou simultaneamente com recurso especial e habeas corpus no STJ para manter a criança sob seus cuidados.

ECA exige tanto o vínculo de parentesco quanto o de afetividade

Ao analisar o habeas corpus, a ministra Nancy Andrighi ressaltou que o princípio da prioridade da família natural não pode ser aplicado de forma automática, pois o ECA exige tanto o vínculo de parentesco quanto o de afetividade. Segundo ela, o uso do conectivo ‘e’ no artigo 28, parágrafo 3º, do ECA deixa claro que não basta a proximidade de grau de parentesco, mas é indispensável um laço afetivo concreto.

“A mudança de paradigma proporcionada pela doutrina do melhor interesse leva ao entendimento de que a prioridade do instituto da adoção não é a realização pessoal dos adotantes, mas, sim, a possibilidade de proporcionar a crianças e adolescentes o pertencimento a uma célula familiar que lhes propicie desenvolvimento saudável e efetiva felicidade”, declarou.

A ministra comentou ainda que, em muitos casos, a criança encontra melhores condições para um desenvolvimento saudável ao ser inserida em família substituta por meio da adoção, em vez de permanecer no abrigo à espera de parentes aptos a acolhê-la. Para ela, a insistência na busca por familiares biológicos sem vínculos afetivos pode até retardar a colocação definitiva da criança em um lar adotivo, reduzindo suas chances de adoção, especialmente porque a maioria dos adotantes prioriza crianças mais novas.

Criança está segura e amparada na família substituta

A ministra apontou que não ficou demonstrado no processo que o melhor interesse da criança seria garantido com a concessão da guarda à tia materna, pois elas nunca conviveram. Por outro lado, a relatora constatou que o laudo psicossocial demonstra que a criança está segura e amparada na família substituta, recebendo todos os cuidados necessários para seu desenvolvimento saudável.

“Não é do melhor interesse da criança nova alteração do lar de convivência, pois, em tão tenra idade, já foi afastada do convívio com a mãe biológica, passou por medida de desacolhimento e encontra-se acolhida na família substituta há mais de um ano e quatro meses”, declarou Nancy Andrighi ao determinar que a criança permaneça sob a guarda da família substituta.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:

  • 1º termo – Recurso Especial: O recurso especial (sigla REsp) é dirigido ao STJ para contestar possível má aplicação da lei federal por um tribunal de segundo grau. Assim, o REsp serve para que o STJ uniformize a interpretação da legislação federal em todo o país.
  • 2º termo – Habeas Corpus: Habeas corpus (sigla HC) é uma ação para assegurar a liberdade de locomoção, quando violada ou ameaçada de violação por ilegalidade ou abuso de poder. Também é o nome da ordem dada pela Justiça para corrigir a ilegalidade.
Unidade responsável: Secretaria de Comunicação Social

Fonte – Superior Tribunal de Justiça

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a nulidade absoluta de doação inoficiosa feita por meio de escritura pública de partilha em vida, na vigência do Código Civil de 1916, ainda que os herdeiros tenham concordado na época com a divisão desigual dos bens e dado quitação mútua e plena, com renúncia a eventuais ações futuras. Em tais circunstâncias, segundo o colegiado, a doação não pode ser convalidada.

De acordo com os autos, um casal firmou escritura pública de partilha em vida, em 1999, doando seu patrimônio aos dois filhos. Acontece que, enquanto a filha recebeu imóveis no valor de R$ 39 mil, para o filho foram doadas cotas de empresas que correspondiam a mais de R$ 711 mil.

recurso especial chegou ao STJ após o tribunal de origem julgar improcedente a ação declaratória de nulidade de doação inoficiosa ajuizada pela filha.

É possível favorecer um dos herdeiros

A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que, para a verificação da validade da doação, deve ser considerado o momento da liberalidade, conforme a jurisprudência da corte. Assim, como a escritura pública de doação foi lavrada em 1999, as regras aplicáveis ao caso são as do Código Civil de 1916.

A ministra destacou que o artigo 1.776 daquele código (artigo 2.018 do CC/2002) dispõe que a partilha, por ato entre vivos, somente será válida se respeitar a legítima dos herdeiros necessários. Conforme explicou, a legítima corresponde à metade dos bens do doador existentes no momento da doação, a qual é reservada aos herdeiros necessários – ascendentes, descendentes, cônjuge –, e não pode ser livremente doada.

Assim, esclareceu a relatora que, desde que preservados os 50% do patrimônio legalmente comprometido, é possível que o doador beneficie mais um herdeiro do que outro. Nessa hipótese, deve haver a expressa dispensa de colação.

Nulidade absoluta do excesso de doação

Nancy Andrighi ressaltou que será inoficiosa a doação que extrapolar os limites da parte disponível da herança, atingindo a legítima dos herdeiros necessários, de acordo com o artigo 1.790, parágrafo único, do CC/1916.

A ministra apontou que, embora a expressão no atual código seja diferente, permanece o entendimento sobre a nulidade absoluta do excesso da doação. “Não restam dúvidas de que a doação que extrapolar a parte disponível será nula de pleno direito”, completou.

Nesse sentido, a relatora destacou que o efeito principal do artigo 1.176 do CC/1916 (artigo 549 no atual código) é a nulidade do excesso que ultrapassou a parte disponível.

Prazo prescricional para declaração da nulidade

Apesar de não haver a possibilidade de convalidação de ato nulo, a ministra afirmou que, para propor ação que busque a decretação de nulidade da doação inoficiosa, o Código Civil de 1916 previa o prazo prescricional de 20 anos, contado do ato de liberalidade (artigo 177). No Código Civil de 2002, esse prazo foi reduzido para dez anos (artigo 205).

A relatora explicou que, para gerar efeitos jurídicos e legais, a partilha em vida que beneficie algum herdeiro necessário também deverá ser aceita expressamente pelos demais, além de o doador ter que dispensar a colação do patrimônio doado quando da abertura da sucessão hereditária.

No entanto, reconheceu a ministra, “eventual afronta à legítima não pode ser validada pelo consentimento dos signatários”, sendo nula a doação que exceder a parte disponível.

Leia o acórdão no REsp 2.107.070.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2107070

Fonte – Superior Tribunal de Justiça

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que uma ex-esposa tem direito à meação do crédito decorrente de pagamento a maior que só foi reconhecido após a separação judicial, embora se refira a operação financeira contratada e vencida durante a vigência do casamento no regime da comunhão universal de bens.

De acordo com o processo, a ex-esposa do falecido opôs embargos de terceiro em que pediu o reconhecimento da meação de valores correspondentes aos expurgos inflacionários que incidiram sobre uma cédula de crédito rural, relativa a financiamento tomado e pago na década de 1990, quando eles ainda eram casados em comunhão universal.

O Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO), dando provimento à apelação da ex-esposa, reconheceu seu direito à meação do crédito. Em recurso ao STJ, o espólio sustentou que o direito à restituição de parte da correção monetária paga ao banco – a qual foi objeto de expurgo determinado judicialmente – surgiu apenas depois da separação do casal, de modo que a ex-esposa não teria direito à divisão do valor.

Natureza solidária justifica a divisão do crédito pelos cônjuges

A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que, no regime de comunhão universal de bens, há uma verdadeira confusão entre o patrimônio adquirido por cada um dos cônjuges, de modo que, se um deles contrata financiamento bancário, ambos respondem pela dívida contraída, na forma de coobrigação.

A ministra reforçou que esse regime de bens “pressupõe o esforço comum do casal para a aquisição do patrimônio e o cumprimento das obrigações, mesmo que assumidas por um dos cônjuges”, sendo a dívida incomunicável apenas quando comprovado que ela não foi revertida em benefício da família.

Por isso, Nancy Andrighi enfatizou que, diante da natureza solidária do regime, caso seja reconhecido o direito à restituição de valor pago a mais por uma obrigação do casal vencida durante o casamento, ambos os cônjuges terão direito a receber a diferença.

Não pode haver enriquecimento sem causa

A relatora ressaltou que, caso não seja observado o direito à indenização de ambas as partes, haverá enriquecimento sem causa de quem receber sozinho os valores que tiveram como fato gerador a cédula de crédito adquirida e quitada durante o casamento.

“Faz jus à restituição dos expurgos inflacionários a embargante, tendo em vista que ambos os cônjuges anuíram com a cédula de crédito rural quando unidos pelo regime da comunhão universal, mesmo que reconhecido o benefício após a separação judicial. Do contrário, estar-se-ia diante de enriquecimento sem causa do embargado”, declarou.

“Uma vez presumido o esforço comum na aquisição do patrimônio e, desse modo, reconhecida a corresponsabilidade pelas obrigações assumidas, ambos terão direito à indenização dos valores pagos a maior, para recomposição do patrimônio comum”, concluiu Nancy Andrighi.

Leia o acórdão no REsp 2.144.296.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2144296

Fonte – Superior Tribunal de Justiça

Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a desconstituição da paternidade requerida por um rapaz, para que constem em seu registro de nascimento apenas os nomes de sua mãe e dos avós maternos, bem como sejam extintos os deveres recíprocos – como os de natureza patrimonial e sucessória.

“Constatada a inexistência de vínculo de socioafetividade entre o autor e seu genitor, bem como evidenciada a quebra dos deveres de cuidado do pai registral, consubstanciado no abandono material e afetivo do filho, verifica-se a possibilidade de rompimento do vínculo de paternidade, ante o descumprimento do princípio constitucional da paternidade responsável”, declarou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.

A ação de desconstituição da paternidade foi ajuizada sob o fundamento de que o rapaz – atualmente com 25 anos – sofreu abandono afetivo e material, bem como foi alvo de estigmatização devido a um crime cometido por seu pai. Devido ao bullying que sofria em razão do sobrenome do pai, ele precisou trocar diversas vezes de escola. Em 2009, sete anos após o crime, foi autorizado judicialmente a suprimir o sobrenome paterno, passando a utilizar apenas o sobrenome da mãe.

Depois que, em primeira e segunda instâncias, a Justiça autorizou o rompimento do vínculo de paternidade, o pai recorreu ao STJ, sob o argumento de que o crime pelo qual foi condenado não deveria impedir o exercício da paternidade.

Ausência de socioafetividade pode levar ao rompimento do vínculo de filiação

Segundo o processo, após a separação dos pais, quando tinha poucos meses de idade, o menino passou a morar com a mãe e os avós maternos em outra cidade. Pelo período de alguns meses, quando ele tinha um ano, seus pais voltaram a conviver, mas se separaram novamente.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, o filho teve apenas mais um contato com o genitor, ao visitá-lo quando estava preso. Mesmo depois de voltar à liberdade – observou a relatora –, o pai não procurou o filho.

A ministra mencionou decisões do STJ baseadas em uma concepção de família que não tem mais seu fundamento apenas no vínculo biológico, mas também na socioafetividade como igual fonte de parentesco. “Se a presença de socioafetividade autoriza o reconhecimento de vínculo de filiação, é possível compreender que a sua ausência implicaria o seu rompimento”, comentou.

Quebra dos deveres de cuidado do genitor com o filho

De acordo com a relatora, o princípio da responsabilidade parental tem como base os deveres da família previstos nos artigos 227 a 229 da Constituição Federal, que determina aos pais a obrigação de assistir, criar e educar os filhos menores, assim como os maiores têm o dever de amparar os genitores na velhice, na carência ou na enfermidade.

No caso em análise, a ministra ponderou que pai e filho se encontraram em raras oportunidades ao longo da vida do rapaz, mesmo antes da prisão. Na sua avaliação, os depoimentos colhidos no processo evidenciam “a ausência de estabelecimento de vínculo de socioafetividade entre o pai registral e o filho, seja por causa da pouca convivência entre eles, seja por causa da ausência de afeto e, até mesmo, de certa repulsa sentida pelo filho em razão do crime cometido pelo pai e das consequências causadas em sua infância e juventude”.

O cometimento do crime, por si só, não acarretaria o rompimento da filiação – ressaltou a ministra –, mas “a ausência de socioafetividade estabelecida ao longo de 25 anos demonstra a quebra dos deveres de cuidado do genitor para com o filho, ensejando seu abandono material e afetivo”.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

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Fonte – Superior Tribunal de Justiça

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso apresentado por um homem que pretendia substituir a curatela de seu pai pelo mecanismo da tomada de decisão apoiada (TDA). O colegiado se baseou na constatação das instâncias ordinárias de que não foi provada a melhora no quadro de saúde do interditado para permitir essa alteração.

O recurso ao STJ teve origem em ação ajuizada pelo curatelado, representado por seu filho, para levantar a curatela e substituí-la pela TDA. O requerimento foi negado em primeiro grau e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), pois a prova pericial produzida no processo demonstrava que as razões da curatela ainda persistiam.

O interditado sofreu um acidente vascular cerebral em 2015 e, por conta dos seus desdobramentos, foi interditado no ano seguinte, com curatela quanto à prática de atos negociais e patrimoniais.

Levantamento da curatela exige fim ou mitigação dos motivos da interdição

Segundo a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, para o levantamento da interdição e da curatela, deve haver o desaparecimento ou a mitigação das circunstâncias que justificaram a medida.

A ministra explicou que o encerramento da curatela, quando provado o fim da causa que a determinou, pode levar ao reconhecimento de que a pessoa está novamente apta a praticar quaisquer atos da vida civil; ou, se houver melhora significativa do quadro clínico, pode levar à adoção de uma medida menos gravosa do que a interdição, como a TDA (artigo 1.783-A do Código Civil).

A relatora ponderou a respeito da importância dessa investigação nas situações em que o requerimento não puder ser formulado diretamente pelo interditado, como no caso em análise.

Decisão não pode ser à revelia do principal interessado

“Conquanto, na hipótese sob julgamento, o requerimento de levantamento de curatela e de substituição por tomada de decisão apoiada tenha sido realizado formalmente em nome do interditado, fato é que ele está sendo processualmente representado pelo seu filho em virtude da inviabilidade de, autonomamente, contratar advogado para manifestar propriamente o seu desejo, justamente em razão da curatela anteriormente deferida, que restringiu a prática de atos negociais e patrimoniais”, ressaltou.

Para a ministra, não é possível saber se é do interesse do interditado ter um rol de apoiadores – necessário na TDA –, bem como se seu filho seria uma pessoa indicada e idônea para desempenhar esse papel. “Não se pode implementar a medida compulsoriamente e à revelia dos interesses do potencial beneficiado”, comentou.

Ainda que a doença do interditado seja uma das admitidas para a TDA, a ministra verificou que, no caso, a sentença e o acórdão do TJSP foram categóricos em afirmar que não houve evolução clínica do seu quadro – que não é de enfermidade apenas motora, mas também mental.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Unidade responsável: Secretaria de Comunicação Social

Fonte – Superior Tribunal de Justiça

Decisão reforça a importância dos laços de afeto e convivência na definição da filiação.

Uma mulher de Joinville obteve na Justiça o reconhecimento de sua avó biológica como mãe, em razão da relação socioafetiva que existia entre as duas. Criada desde a infância pela avó, já falecida, a autora alegou que a convivência e o afeto estabeleceram um vínculo materno, que deveria ser formalizado na certidão de nascimento.

A decisão, proferida pela 1ª Vara da Família da comarca de Joinville, determinou a averbação do nome da avó como mãe na certidão de nascimento da autora. A ação transitou em julgado no último mês de novembro. O magistrado responsável destacou que o direito à filiação está fundamentado em valores constitucionais, como o respeito à dignidade humana.

Na sentença, o juiz pontuou que a filiação não se limita à relação biológica. “A paternidade, a maternidade e os verdadeiros laços familiares são construídos pela afeição e pela convivência social”, afirmou. O magistrado também destacou que o vínculo com a mãe biológica não inviabiliza o reconhecimento da maternidade socioafetiva, já que ambos os tipos de filiação podem coexistir sem hierarquia.

Ainda de acordo com a sentença, a questão limita-se à ordem do direito privado e personalíssimo, de forma que inexiste proibitivo legal no caso concreto. O magistrado repisou que a relação existente com a genitora biológica não impede o reconhecimento da filiação socioafetiva.

“Ambos os institutos são reconhecidos pela jurisprudência, sem prevalência de um sobre o outro. Neste contexto, os auxílios prestados e eventos em que a genitora biológica compareceu com a autora não excluem a concessão da maternidade socioafetiva”, assinala o magistrado.

Relação socioafetiva

Entre as provas apresentadas, chamou atenção o registro da avó como mãe em um evento público, como na crisma da autora. Depoimentos orais confirmaram que a autora era tratada como irmã pelos filhos da avó – no caso, tios e tias – e que as duas se consideravam mãe e filha reciprocamente até o falecimento da avó.

O magistrado ressaltou que questões relacionadas à herança devem ser discutidas em uma ação específica, já que a Vara da Família tem competência apenas para o reconhecimento da filiação.

A decisão reforça a relevância dos laços afetivos na constituição das relações familiares, destacando que o afeto e a convivência social são elementos fundamentais para o reconhecimento da filiação no ordenamento jurídico brasileiro. O processo tramitou em segredo de justiça.

Conteúdo: NCI/Assessoria de Imprensa

Fonte – Tribunal de Justiça de Santa Catarina

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o prêmio de loteria ganho por uma viúva – recebido quando o marido estava vivo – seja reconhecido como patrimônio comum do casal e incluído na partilha da herança do falecido, ainda que o casamento tenha sido celebrado sob o regime de separação obrigatória de bens.

Ao reafirmar a jurisprudência segundo a qual é desnecessário investigar a participação de cada cônjuge para a obtenção de bem adquirido por fato eventual, justamente porque se trata de patrimônio comum, o colegiado deu provimento ao recurso dos filhos do falecido para que eles tenham direito à partilha do prêmio de R$ 28,7 milhões recebido pela esposa do pai.

O casal esteve em união estável, com comunhão parcial de bens, por 20 anos, e formalizou o matrimônio em 2002, no regime de separação obrigatória de bens, devido à idade, conforme determinação do artigo 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916.

Após a morte do pai, seus herdeiros ajuizaram ação contra a viúva para receber parte do valor da loteria, o que foi negado nas instâncias ordinárias, que concluíram pela incomunicabilidade do patrimônio adquirido por fato aleatório, ao fundamento de que a norma do artigo 1.660, II, do Código Civil de 2002 somente incidiria no regime da comunhão parcial de bens.

Prêmio de loteria é bem comum do casal

O relator do caso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, lembrou que a Quarta Turma, em julgamento sobre o mesmo tema, firmou o entendimento de que, mesmo na hipótese de separação obrigatória, “o prêmio de loteria é bem comum que ingressa na comunhão do casal sob a rubrica de ‘bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior’ (artigo 271, II, do CC/1916; artigo 1.660, II, do CC/2002)”.

“Ou seja, na interpretação desta corte superior, tratando-se de bem adquirido por fato eventual, o exame sobre a participação de ambos os cônjuges para sua obtenção (esforço comum) é desnecessário”, destacou o ministro.

Código Civil impõe separação total de bens ao idoso

Segundo o relator, a previsão legal que impõe a separação de bens ao idoso (artigo 258, parágrafo único, II, do CC/1916; artigo 1.641, inciso II, do CC/2002) objetiva a preservação de seu patrimônio em vista de casamentos realizados por exclusivo interesse financeiro.

O ministro observou que essa previsão já recebeu diversas críticas da doutrina, uma vez que afasta a autonomia privada e induz presunção de incapacidade do cônjuge sexagenário – atualmente, septuagenário – para decidir sobre o regime de bens de seu casamento e o destino de seu patrimônio. Por esse motivo, ressaltou, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 1.236 da repercussão geral, fixou a tese de que essa norma pode ser afastada por vontade das partes.

No caso em análise, o ministro observou que o casamento aconteceu após longo relacionamento em união estável. Para o relator, deve ser aplicado o artigo 1.660, II, do CC/2002, uma vez que não é razoável que a formalização do vínculo matrimonial torne mais rigoroso o regime de bens existente entre os cônjuges – os quais não manifestaram de forma expressa o interesse em disciplinar regime diverso da comunhão parcial de bens.

Da mesma forma, destacou o ministro, é o entendimento firmado por juristas presentes na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e consolidado no Enunciado 261.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte – Superior Tribunal de Justiça