Recente episódio envolvendo a NotCo e a Parmalat reacende discussões importantes sobre os limites legais na reinterpretação de campanhas publicitárias icônicas. Ao lançar uma peça que fazia alusão direta aos célebres “mamíferos” da Parmalat, a NotCo enfrentou um revés jurídico-administrativo após uma representação da concorrente ao CONAR. Embora a releitura criativa seja um recurso comum na publicidade, ela encontra barreiras claras no ordenamento jurídico quando esbarra em direitos de propriedade intelectual e concorrência desleal, especialmente ao evocar uma memória afetiva construída por outra marca ao longo dos anos.
A campanha da NotCo foi considerada irregular por se apropriar de elementos visualmente e simbolicamente ligados à marca Parmalat, como figurinos e ambientações semelhantes aos da campanha original. Aqui, entra em cena o direito de imagem institucional e o uso indevido de signos distintivos, ainda que não registrados formalmente como marca. A jurisprudência brasileira tem reconhecido a proteção da imagem publicitária como parte do patrimônio imaterial das empresas, o que reforça a vedação ao aproveitamento parasitário – prática na qual uma marca se vale do prestígio ou notoriedade alheios para alavancar seus próprios produtos.
Além disso, a peça foi considerada pelo CONAR como potencialmente geradora de desinformação ao consumidor, ao associar produtos de origem vegetal (como os da NotCo) à campanha que, historicamente, promovia leite de origem animal. A responsabilidade na comunicação publicitária exige que as informações veiculadas sejam claras, precisas e verdadeiras, especialmente em um mercado cada vez mais sensível à transparência sobre ingredientes e sustentabilidade. Confundir o público, ainda que de maneira indireta ou por omissão, pode configurar infração ao Código de Autorregulamentação Publicitária e ao próprio Código de Defesa do Consumidor.
A atuação do CONAR nesse caso demonstra a relevância do sistema de autorregulação da publicidade no Brasil. O órgão, embora não possua poder coercitivo estatal, exerce forte influência por meio de recomendações e sanções éticas, como a suspensão de peças e a imposição de retratações. Sua atuação busca manter o equilíbrio entre liberdade criativa e respeito aos direitos de terceiros, além de preservar a boa-fé nas relações de consumo. Nos conflitos entre marcas, o CONAR atua com base em princípios de lealdade concorrencial e proteção à confiança do consumidor, o que ficou evidente na decisão que determinou a retirada da campanha do ar.
Este caso serve como alerta para os setores de marketing e jurídico das empresas ao se inspirarem em campanhas marcantes do passado. É preciso avaliar não apenas os limites criativos, mas também os jurídicos e éticos da comunicação. A linha entre homenagem e infração é tênue, e o custo de uma eventual violação pode comprometer tanto a imagem da marca quanto a sua reputação institucional. Em tempos de redes sociais e rápida repercussão, o cuidado com o conteúdo publicitário é mais necessário do que nunca.
O episódio NotCo x Parmalat evidencia como a publicidade, embora campo fértil à inovação, não está isenta de regras. A reinterpretação de símbolos culturais exige cautela redobrada, especialmente quando se trata de elementos com forte identificação pública. O respeito aos direitos alheios, à veracidade da informação e à ética na comunicação permanece sendo não apenas um imperativo legal, mas um diferencial competitivo sustentável.
Autor: Marco Antonio R. Calábria
